24 25 que as vivências de sofrimento podem ser O sofrimento criativo atua como motor As estratégias de mobilização favore- 2 SAÚDE MENTAL E DOENÇAS PSÍQUICAS sinalizadas pela presença dos seguintes sen- para transformações, impulsionando a busca cem a saúde ao permitirem a ressignifi- NO TRABALHO timentos: medo, insatisfação, insegurança, de soluções que poderão beneficiar a orga- cação do sofrimento por meio da trans- alienação, vulnerabilidade, frustração, angús- nização do trabalho, contribuir para a reali- formação das situações de trabalho. Ela Saúde não é apenas a ausência de do- tia, inquietação, depressão, tristeza, agressivi- zação pessoal do trabalhador, fortalecer sua é subjetiva quando o sujeito pode se re- enças, mas também a higidez do bem-estar dade, impotência para promover mudança, singularidade e o seu pertencimento. criar, inventar-se, vivenciar o sofrimento mental, cognitivo ou psicológico (OMS, 1946; desgaste, desestímulo, desânimo, desgaste criativo e o prazer no trabalho; é coletiva OLIVEIRA, 2011, p. 125). A saúde mental é físico e emocional, desvalorização, culpa, Por outro lado, o sofrimento pode ser tor- quando se opera, em especial, a partir da um gênero que abrange um universo de fa- tensão e raiva. nar patogênico, quando o sujeito não encon- criação de espaço público de discussão tores psicossociais do indivíduo e de sua inte- tra possibilidade de negociação entre a or- e da cooperação, com o fim de eliminar ração com o meio em que vive. Dentre esses Dependendo dos processos psicodinâmi- ganização do trabalho e os seus conteúdos o custo humano negativo do trabalho, de fatores, um deles diz respeito às patologias cos desenvolvidos no trabalhar, o sofrimento subjetivos, sendo impedido de exercitar sua ressignificar o sofrimento e de transformar psíquicas. pode encaminhar-se para diferentes destinos: capacidade criativa. A liberdade de transfor- em fonte de prazer e de bem estar a orga- criativo ou patogênico. mação, gestão e aperfeiçoamento da organi- nização, as condições e as relações sócio As doenças psíquicas (distúrbios, enfer- zação do trabalho esgotam-se, restando ape- -profissionais (FERREIRA e MENDES, 2003). midades, patologias ou transtornos mentais) nas as pressões rígidas, fixas e incontornáveis, são um comprometimento ou uma disfunção a repetição, a frustração, o aborrecimento, o A ineficácia da estratégia defensiva e mental, cognitiva ou psicológica do indiví- medo ou o sentimento de impotência (DE- da mobilização e a potencialização do duo, são “condições clinicamente significa- JOURS e ABDOUCHELI, 2010, p. 137). sofrimento pode levar o trabalhador à de- tivas caracterizadas por alterações do modo pressão, à desestabilização e a uma crise de pensar e do humor (emoções) ou por 1.4 ESTRATÉGIAS DEFENSIVAS E de identidade, pois ele passa a questionar comportamentos associados com angústia DE MOBILIZAÇÃO E PATOLOGIAS suas capacidades e competências, sua pessoal e/ou deterioração do funcionamen- singularidade e seu pertencimento. Esse to” psíquico (BOJART, 2013, p. 22). Os códi- A mediação do sofrimento é composta processo de fragilização pode desenca- gos da CID-10, utilizados no presente estudo, por estratégias de defesa e de mobilização, dear patologias psíquicas e/ou somáticas, enumeram diversas espécies de patologias subjetivas ou coletivas. caracterizando o sofrimento como pato- psíquicas no capítulo 5, designando a letra F gênico. (CID F) para agrupá-las. Para não adoecerem, os trabalhadores desenvolvem estratégias de defesa diante do Nesse cenário, o sofrimento ganha for- No campo da saúde mental do trabalho, sofrimento (DEJOURS, 2012), isto é, um con- ça e as patologias do trabalho surgem estuda-se a dinâmica, a organização e os pro- junto de condutas de convivência com o so- com um agravante comum: a solidão. Tra- cessos de trabalho e as ações diagnósticas, frer. As defesas constituem a forma e o desti- tam-se das patologias de sobrecarga, de preventivas e terapêuticas de saúde (PENIDO no dado ao sofrimento (DEJOURS, 2011a). As assédio, pós-traumáticas, depressões e e PERONE, 2013, p. 33). Para Álvaro Merlo estratégias defensivas geralmente são incons- suicídios, que sinalizam que o sofrimento (2014), o adoecimento mental no trabalho cientes, individuais ou compartilhadas em está sendo agravado nos contextos atuais não é uma questão de fatalidade; decorre grupo de trabalhadores (coletivas). Há várias de trabalho. A terceirização, o autoritaris- do tipo de organização do trabalho. Para ele estratégias de defesa. As mais comuns são a mo, metas de produtividade, avaliações (2014), os males produzidos pela organização negação, em que não se admite o próprio injustas, coação e violência verbal, com- de trabalho agressiva são como um iceberg, sofrimento e a racionalização do sofrimento, petição exacerbada, fofocas e intrigas são no qual as doenças diagnosticáveis represen- em que há uma suavização da angústia, do experiências de sofrimento, que, se pro- tam a parte visível e o sofrimento psíquico medo e da insegurança presentes no contex- longada, podem conduzir a um quadro produzido pelo trabalho a parte submersa, to de trabalho. patogênico. invisível a uma visão superficial.
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