114 115 Os tempos atuais representam verdadeiro denizar porque, em se tratando de responsa- crime em fato de domínio público, que pode O caso “Aida Curi” chegou no STF (ARE alargamento da esfera pública, o que ficou bilidade civil, haveria de se constatar a exis- ser livremente “lembrado” pela imprensa, so- 833248), que justamente analisará a aplica- reconhecido nas decisões. É como se aspec- tência de violação de direitos, vale dizer, no bretudo na hipótese em que houve também ção do direito ao esquecimento na esfera tos do privado ganhassem dimensão pública, âmbito da ilicitude, atrelando-se o comporta- crime de natureza sexual? Note-se, a propó- civil, quando for alegado pela vítima de cri- por isso, o privado vai ficando mais intimista. mento contrário ao direito ao dano compro- sito, no caso de relatos pela imprensa de cri- me ou por seus familiares com a finalidade Todavia, o fato de algo ter sido publicizado o vado, em verdadeira relação de causalidade. mes de natureza sexual, a preservação tanto de questionar a veiculação midiática de fatos torna público? Essa foi uma das questões que Nos termos do voto do relator: da vítima quanto do acusado, normalmente pretéritos. O ministro Dias Toffoli, defendendo permearam os casos. referindo-se às iniciais dos respectivos nomes a repercussão geral, que foi reconhecida pela ou, no máximo, ao seu ofício profissional. 5 Po- maioria do plenário virtual em 11 de dezem- A despeito da argumentação jurídica coin- No caso de familiares de vítimas rém, se a vítima, além do abuso, também vier bro de 2014, afirmou que “as matérias abor- cidente, a demanda relacionada ao caso de crimes passados, que só querem a falecer, seu nome completo e sua imagem dadas no recurso, além de apresentarem "Aida Curi" foi subdividida esquecer a dor pela podem ser livremente explorados? nítida densidade constitucional, extrapolam em duas: "a primeira, re- “O caráter constitucional qual passaram em de- os interesses subjetivos das partes, uma vez lativa ao pleito de indeni- terminado momen- Ainda sobre o caso "Aida Curi", interessan- que abordam tema relativo à harmonização zação pela lembrança das do tema está reconhecido. to da vida, há uma te notar que a família não conferiu autoriza- de importantes princípios dotados de status dores passadas (ponto em Mas qual seria o seu infeliz constatação: ção à Rede Globo; uma coisa seria o órgão da constitucional”. que se insere a discussão alcance considerando os na medida em que o imprensa realizar pesquisa sobre o caso, con- acerca do direito ao esque- tempo passa e vai se sultando arquivos judiciais e demais fontes e, cimento), e uma segunda, incontáveis casos que na adquirindo um “direi- outra, expor evento, e a própria vítima, na relacionada ao uso comer- sociedade contemporânea to ao esquecimento”, televisão, num expediente de estilo sensacio- cial da imagem da faleci- na contramão, a dor nalista. Será que não haveria mesmo como da". podem fazer contrapor vai diminuindo, de contar a história sem dizer o nome da vítima esquecimento, informação modo que, relembrar no caso "Ainda Curi"? O que da vida privada Sobre a questão do di- e memória?” o fato trágico da vida, interessa ao público e por quê? A narrativa reito ao esquecimento, a depender do tempo televisada não pode ser apenas o exercício o tribunal entendeu que transcorrido, embora de curiosidade sobre fatos do passado. não seria viável contar a possa gerar desconfor- história do crime com repercussão nacional to, não causa o mesmo abalo de antes. Parece importante refletir, ademais, sobre omitindo-se a vítima, que, por torpeza do se estaria autorizada uma indefinida explora- destino, "frequentemente se torna elemento Quanto às demais indenizações, também ção midiática do assassinato da jovem Aida indissociável do delito". O tribunal, embora foram negadas porque a imagem da vítima Curi pelo só fato de serem encontráveis rela- reconhecendo que o direito ao esquecimen- não foi exposta de forma degradante ou des- tos na internet e em razão de o caso judicial to alcança a todos, ofensor e ofendidos, no respeitosa, não se vislumbrando, ainda, o seu ser objeto de estudo no âmbito de pesquisas caso concreto analisado, não haveria como uso comercial indevido, na medida em que “o acadêmicas nas universidades, como citado prevalecer, isso porque se tratava de reviver, cerne do programa foi mesmo o crime em si, no acórdão do STJ. Importante destacar que décadas depois do crime, "acontecimento e não a vítima ou sua imagem". os arquivos presentes na internet são fonte de que entrou para o domínio público, de modo informação de todo tipo, e de toda matriz, que se tornaria impraticável a atividade da Nessa hipótese, parecem remanescer algu- acerca daquilo que um dia foi notícia. imprensa para o desiderato de retratar o caso mas inquietações. Pode-se considerar como Aida Curi, sem Aida Curi". Segundo o STJ, o sendo de interesse público, e não apenas in- 5. A título exemplificativo, cita-se o caso que a imprensa noticiou de um técnico em enfermagem que teria abusado de uma paciente reconhecimento do direito ao esquecimento teresse do público ou do Estado, a sanção aos internada na UTI de um hospital em Santos (SP). Na reportagem, tanto o nome da vítima como do acusado foram preservados [disponível em não conduz necessariamente ao dever de in- crimes. Mas, até que ponto isso transforma o http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1304020-tecnico-de-enfermagem-e-acusado-de-estuprar-paciente-em-uti-de-hospital-em-san- tos-sp.shtml, acesso em 21.8.2013].
