94 95 Esse resultado se impõe a juristas, mas, Pertinente, para uma melhor reflexão, a para continuar agindo da mesma forma ter-se argumento econômico que, juridicamente, sobretudo, aos sindicatos, pois todas as trama do filme, Força Maior (2015, do rotei- -ia que negar vigência à CLT e à Constituição, as justifiquem. Centrais Sindicais foram unânimes na rejei- rista Ruben Östlund), que trata da história de cujas existências e relevância também foram ção do projeto de lei, destacando as per- uma família, composta por um casal e dois exaltadas no correr do debate. Além disso, a Mas, partindo do necessário pressuposto versidades da terceirização, e será, no míni- filhos, que sai de férias durante cinco dias nos preservação dos mesmos padrões jurídicos da sinceridade de todos que se manifestaram mo, uma incoerência histórica, se, desde já, Alpes franceses. Na cena principal, os quatro significaria legitimar e dar continuidade a to- sobre a terceirização e no respeito a uma or- deixarem de integrar os terceirizados aos membros da família estão almoçando em um das as situações fáticas de supressão de direi- dem jurídica que explicita a prevalência dos efeitos plenos de suas ações coletivas. A restaurante a céu aberto próximo de um pe- tos fundamentais dos terceirizados que foram Direitos Humanos, o valor social do trabalho não imediata incorporação dos terceiriza- nhasco e uma avalanche vai se aproximando exaustivamente denunciadas publicamente. e da livre iniciativa, a proteção da dignidade dos revelaria que as preocupações expres- assustadoramente sobre o restaurante. Um humana como princípio fundamental da Re- sas pelas entidades referidas não tiveram dos filhos fica desesperado e começa a cha- Forçando um pouco o argumento, imagi- pública e o desenvolvimento da economia em vista as condições mar pelo pai, mas este nemos a situação de que tivesse havido uma sob os ditames da justiça social, tomando de vida e de trabalho “Há um processo diante do perigo pega o proposta para a ampliação da escravidão a por base a eficácia de direitos trabalhistas dos terceirizados, mas histórico em curso, seu celular e suas luvas e todos as pessoas que não tivessem meios que tem como objetivo central melhorar tão somente os seus in- sai correndo, deixando próprios de sobrevivência e no debate pú- a condição social dos trabalhadores, dian- teresses particulares. que já produziu efeitos para trás, a mulher e os blico da proposta se explicitassem todos os te do conhecimento público da condição a necessários, inevitáveis e filhos. Só que era ape- males humanos da escravidão, vindo a socie- que são submetidas 12 milhões de pessoas, A situação nos co- irreversíveis, que nos nas fumaça e não uma dade como um todo a tomar conhecimento só se pode acreditar que, independente de loca, a todos, diante avalanche propriamente do que se passava nos navios negreiros e nos qualquer alteração legislativa, já que normas de um sério dilema: ou obrigam a afirmar, dita. Abaixando a poei- cafezais, mas, ao final do debate se conten- e princípios jurídicos não faltam, a terceriza- agimos em conformi- inclusive, que, ra, ele retorna ao local e tasse em manter a escravidão nos limites es- ção não encontrará mais guarida nas práticas dade com as falas que senta-se à mesa e conti- tritos dos negros e negras. sindicais, nos discursos, nas peças jurídicas e estão sendo expressas juridicamente falando, nua almoçando como se nas decisões judiciais. contra a terceirização, a terceirização já era, nada houvesse ocorrido. Claro que a condição dos terceirizados não sendo que todos os fa- acabou!” se assemelha à dos escravos (embora mui- Enfim, após tudo o que já ocorreu até aqui, tos e dados se referem Claro que a situação tos trabalhem em condições análogas à dos é impossível que as coisas retornem ao ponto ao padrão de análise não foi tratada como escravos), mas se, na hipótese imaginada, a em que estavam, como se nada tivesse ocor- jurídica da terceirização, baseado na Sú- normal pela mulher e esta submete o com- sociedade, toda ela, não seria historicamen- rido. Há um processo histórico em curso, que mula 331 do TST, resultando no fim da ter- portamento do marido a um julgamento, ain- te perdoada por ter se tornado cúmplice e já produziu efeitos necessários, inevitáveis e ceirização; ou, na lógica do mal menor, da que este não admitisse que tivesse agido até co-responsável pelas atrocidades de que irreversíveis, que nos obrigam a afirmar, inclu- concebendo que a Súmula 331 TST é o ga- daquela forma. tiveram conhecimento, não é exagero algum sive, que, juridicamente falando, a terceiriza- rante necessário para que a terceirização dizer que o mesmo se poderá dizer de todos ção já era, acabou! não se amplie, nos contentamos em barrar Pois bem, a questão é que depois de tudo nós que, tendo conhecido as atrocidades da o PL 30 e assim deixamos tudo como está, que já se passou em torno da discussão da terceirização, nos contentemos em mantê-la mas com isso legitimamos os atentados, terceirização, é inconcebível que se retorne à do jeito que está, sendo que, no nosso caso, que foram tornados públicos, aos direitos sala de audiências, aos gabinetes, aos escritó- a situação é ainda mais grave porque não se fundamentais dos 12 milhões de terceiri- rios, aos sindicatos e às mesas de negociação trata de uma realidade que não possamos zados. Mas nesta última hipótese, perde- e se proceda da mesma forma anterior, jul- mudar, já que a ordem jurídica historicamen- remos, por consequência, todo moral para gando e avaliando a terceirização dentro dos te concebida não só possibilita, como de fato expressar argumentos futuros em defesa parâmetros da Súmula 331 do TST, como se exige, a rejeição inconciliável e radical a to- de uma ordem jurídica pautada pela pro- nada tivesse ocorrido, sendo a situação, nes- das as formas de rebaixamento da condição teção da dignidade humana. ta nossa história, ainda mais grave, porque, humana, não havendo, por certo, qualquer
