146 147 pública e o contrato, revela um proceder que ta. A boa-fé, portanto, configura um elemento Art. 423 Quando houver no con- Com relação ao artigo 424, ocorre verda- rompe a confiança que o empregado nele intrínseco ao contrato de emprego, na medida trato de adesão cláusulas ambíguas deira inovação da ordem jurídica, pois o diri- depositava de que deve adimplir suas obriga- em que, limitando a autonomia da vontade das ou contraditórias, dever-se-á adotar a gismo contratual que contempla impede que ções salariais fixadas na celebração do ajuste. partes, resgata o conteúdo ético da relação ca- interpretação mais favorável ao ade- o exercício da autonomia da vontade atinja pital-trabalho. rente. a esfera dos efeitos inatos e naturais do ajus- Embora o empregado não detenha po- Art. 424 Nos contratos de adesão, te, para neutralizá-los. Note-se que a norma der disciplinar sobre o empregador, em casos 4. A boa-fé na interpretação do contrato são nulas as cláusulas que estipulem é afeta aos contratos de adesão e visa evitar como o acima, a ordem jurídica lhe faculta es- de trabalho a renúncia antecipada do aderente a que o poder econômico retire do contrato grimir o jus resistentiae, mediante o qual pode direito resultante da natureza do ne- disposições que são de sua natureza intrínse- se negar, juridicamente amparado, a cumprir A mesma ideia de boa-fé preside a interpre- gócio. ca. É o caso, por exemplo, do contrato de tra- ordens ilegais ou que extrapolem os limites do tação dos contratos, como se constata do artigo balho de um empregado que preveja que a que foi contratado. O artigo 483 da CLT apre- 113 do novo códex, que dispõe: “Os negócios O artigo 423 positiva na lei civil algo mui- empresa não manterá o plano de saúde caso senta o rol de procedimentos patronais que jurídicos devem ser interpretados conforme a to próximo à definição do princípio trabalhis- este venha a sofrer um infortúnio relacionado possibilitam ao empregado denunciar o con- boa-fé e os usos e costume do local da celebra- ta do in dubio pro misero, segundo o qual, ao trabalho. Tal disposição impõe ao traba- trato de trabalho imputando a culpa ao empre- ção.” Este dispositivo já está albergado no artigo na interpretação da lei, havendo dúvida fun- lhador uma renúncia a direito (cobertura do gador, hipótese em que vai receber todos os di- 422 quando se refere à execução do contrato. O dada sobre seus termos, deve-se optar pela plano de saúde) resultante da própria essên- reitos resilitórios como se o seu contrato tivesse Código não deixa dúvida de seu compromisso interpretação mais favorável ao destinatário cia do negócio, cuja finalidade é justamente sido rompido pela empresa. com a ética negocial. Assim, com esteio no prin- da norma laboral, o ampará-lo em caso de cípio da boa-fé, na interpretação das cláusulas empregado. Este, que doença. Pelo lado do empregador, o artigo 482 elen- do ajuste é preciso ater-se mais à intenção do até então constituía “Percebe-se, pois, ca os diversos tipos de condutas que podem que ao sentido literal da linguagem e, em prol um princípio de Direito nitidamente, O dispositivo em tela levar à aplicação de punição ao empregado do interesse social de segurança das relações ju- do Trabalho, cunhado comina de nulidade, faltoso, dentre elas, como a mais grave, a jus- rídicas, as partes deverão agir com lealdade e pela doutrina, agora o movimento bastante como sanção civil, a ino- ta causa.Esseinstituto parte da premissa de confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamen- ganha status de norma expressivo de um Direito bservância de seu precei- rompimento grave da fidúcia depositada pela te na consecução dos fins do contrato. legal para abarcar tam- privado formal e to, como aliás faz a CLT empresa no empregado, como se constata da bém a interpretação quando deseja proteger sua própria definição: todo ato doloso ou cul- Na realidade, quando se fala em interpre- das cláusulas contra- individualista, para um algum direito laboral. É o posamente grave capaz de abalar a confiança tação do contrato na senda laboral, poucas tuais. Percebe-se, pois, Direito social de caso do artigo 9º da CLT, e a boa-fé depositada no empregado, tornando normas próprias se apresentam, como são os nitidamente, o movi- que preceitua que: “Se- impossível a manutenção do contrato de traba- casos do princípio do in dubio pro misero e a mento bastante ex- cunho material.” rão nulos de pleno direito lho (Evaristo de Moraes, citado por SÜSSEKIND, de que nenhum interesse de classe pode se so- pressivo de um Direito os atos praticados com o 2011). brepor aos interesses da sociedade. Mas ago- privado formal e indivi- objetivo de desvirtuar, im- ra, o artigo 422 traz mais um paradigma legal dualista, para um Direi- pedir ou fraudar a aplica- Assim, o artigo 422 tem perfeita adaptação para a interpretação trabalhista. Vale lembrar to social de cunho material. O velho Direito ção dos preceitos contidos na presente Con- na seara laboral, consolidando em definitivo que dois outros dispositivos9 foram criados pelo Civil patrimonialista, que fazia escárnio das solidação”. a noção de que o contrato de trabalho rende novo Código e que têm relação direta com o questões sociais que se escondiam por de- ensejo a uma duplicidade de espécies de deve- tema em análise.São os artigos 423 e 424, que trás das formas oitocentistas do Código Civil, O próprio princípio da boa-fé, no seu aspecto res: os de prestação e os genéricos de condu- preconizam: sucumbe para dar passagem às exigências de cumprimento do ajuste avençado, determi- de uma ordem jurídica onde a justiça não na que o acordo deve ser cumprido em respeito 9. Os artigos 187 e 309 do novo Código Civil são outros exemplos da preocupação ética que informou o legislador donovo Código Civil. significa apenas um parâmetro inalcançável, aos interesses recíprocos e contrapostos das par- Art. 187 –“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico mas uma exigência social de concretização tes. A exigência social de segurança jurídica nas ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”; art.309 –“O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não imediata. relações sociais constitui um imperativo ético e era credor”.
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